Essa história é baseada no livro “Jewish
Fairy Tales and Legends”, de autoria de Gertrude Landa. Abaixo eu vou recontar
essa história a meu modo, baseando-me no livro acima citado. É uma história
muito boa, creio que as crianças vão gostar bastante.
Conta-se que nos dias anteriores
ao Grande Dilúvio, Noé começou a observar os animais e a selecioná-los. Ele já
havia separado o alimento necessário para sua família e os animais. Separou também
sementes, para que a terra pudesse florescer novamente quando as águas
baixassem.
Entretanto, Noé estava preocupado
com uma coisa. Ele ainda não havia encontrado um unicórnio pra levar na Arca. E
era muito importante que os unicórnios fossem salvos. Um dia ele estava falando
sozinho perto da floresta.
-“Onde será
que eu vou encontrar um unicórnio? Daqui alguns dias o Grande Dilúvio chegará,
e eu ainda não encontrei nenhum!” Pra espanto de Noé, uma voz forte como a de
um trovão soou do canto mais escuro da floresta.
- “Noé, Noé,
eu posso encontrar um unicórnio pra você.” Era o temível Og, o gigante. “Mas em
contrapartida, se eu lhe trazer um unicórnio, você terá que me salvar da
Inundação. Essa é a minha condição”.
-
“Afasta-te de mim, criatura maldita”, gritou Noé. “Eu não vou fazer nenhum
trato com você. O seu destino é morrer no Dilúvio”.
-
“Mas Nóe”, choramingou o pobre gigante – imagine um gigante choramingar! – “tenha
pena de mim. Veja, eu estou até mesmo encolhendo, diminuindo de tamanho. Antes
eu era bem mais forte. Eu podia fritar peixes no sol e beber água das nuvens. Mas
agora, está tudo muito mais difícil”.
-
“Vá embora, criatura maldita. Eu não tenho nada a tratar com você”.
Passado um tempo, Noé levou um
baita de um susto: não é que Og, o gigante, lhe trouxe mesmo unicórnio? Mas não
era qualquer unicórnio. Era um grande como uma montanha! O unicórnio chegou e
se deitou diante da Arca. O que Noé iria fazer? Ele sabia que precisava salvar
aquele animal.
O unicórnio não caberia dentro da
Arca. Noé então passou um tempo pensando e teve uma boa ideia: ele amarraria
uma corda ao chifre do unicórnio e a outra ponta à Arca. Assim, o animal
poderia seguir nadando ao lado da Arca e ele alimentaria o animal pela abertura
da janela. Pronto, problema resolvido!
E assim Noé fez. Quando ele acabou
os últimos ajustes ali, a chuva começou a cair. Og, bastante atento, se sentou
em uma montanha ali perto. Ficou observando a água subir, os rios transbordarem
e tudo ser coberto de água. A Arca foi então se elevando nas águas e o
unicórnio começou a nadar ao lado da Arca. Quando a Arca passou ali perto de
onde Og estava, ele rapidamente montou nos lombos do unicórnio!
–
“Viu, Noé, agora você terá que me salvar” – disse Og, com um sorriso maroto
entre os dentes – “Eu vou comer toda a comida que você der ao unicórnio!”
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Og em cima do Unicórnio. Fonte: "Jewish Tales and Legends", pág. 26 |
Noé sabia que não poderia
argumentar com Og. Og poderia até mesmo querer afundar a Arca, usando sua
força. Assim, Noé lhe fez um proposta. Se Og prometesse que iria servir os
humanos descendentes de Noé, Noé alimentaria Og durante todo o Dilúvio. Og
estava faminto naquele momento. Então, ele aceitou o acordo e devorou
rapidamente o primeiro café-da-manhã que Noé lhe oferecera.
A chuva caia com tanta
intensidade que a luz do dia desapareceu. Entretanto, dentro da Arca havia
luzes belíssimas: Noé havia coletado lindas pedras preciosas, e as usou como
janelas. Delas irradiava uma luz que iluminava todas as parte da Arca.
Infelizmente, Noé teve alguns problemas com os animais. Ele sequer conseguia
dormir. O Leão teve um ataque de febre muito forte, os macacos faziam macacadas
e a Fênix só queria saber de dormir.
-
“Acorde, pássaro! Está na hora de comer” – disse Noé à Fênix.
-
“Não se preocupe comigo, Pai Noé. Eu percebo que muitos animais estão te dando
muito trabalho, então vou lhe dar nenhum”.
-
“Poxa...” – disse Noé tocado pela sensibilidade do pássaro – “por conta disso
eu te abençoo e digo que nunca morrerás!”
Um dia, a chuva parou de cair e o
sol apareceu novamente. Noé olhava para fora, mas estava entristecido. Ele via
apenas um vasto oceano que cobria tudo. Ao longe, podia ver as partes mais
altas de alguns montes aqui e acolá. Era muito triste pra ele ver o mundo
inteiro submerso. Og, em contra partida, estava muito feliz.
-
“Ha, ha, ha!” – disse ele numa terrível risada de gigante – “Agora irei dominar
sobre todas as criaturas. Eu vou dominar sobre todos esses mortais
insignificantes!“
-
“Não tenha tanta certeza disso, Og. Esses seres mortais irão um dia dominar e exterminar
toda a raça dos gigantes e criaturas malditas.”
Og não gostou nada do que Noé
havia dito. Ele sabia que tudo que Noé profetizava se tornava realidade. Ele
ficou tão triste com isso que não comeu nada por dois dias seguidos. Assim, ele
encolheu mais ainda de tamanho. Quanto mais as águas baixavam, mais ele ficava
triste. Um dia, a Arca parou em cima do monte Ararat. Logo, logo seria possível
que todos finalmente saíssem de dentro da Arca: eles passaram quase um ano
inteiro lá dentro!
-
“Em breve eu irei lhe deixar, Noé. Quero andar pelo mundo, e ver o que sobrou
dele.”
-
“Não será assim, Og. Você só pode sair de perto de mim se eu deixar que isso
ocorra. Você se esqueceu que prometeu ser meu servo? Eu tenho bastante trabalho
pra você executar!”
Og ficou choramingando o dia
inteiro. Ele era um gigante muito preguiçoso. Quando ele viu a terra seca
apareceu, ele derramou lágrimas amargas, pois sabia que um árduo trabalho lhe
esperava.
-
“Pare de chorar, Og” – disse Noé. “Você quer afundar o mundo novamente com
essas lágrimas enormes de gigante?”
Og então se sentou em um canto e
ficou observando os animais saírem da Arca. Ele estava muito, muito triste.
Quando os filhos de Noé começaram a construir casas, todo o trabalho pesado
ficava nas costas de Og. Cada dia que passava ele diminuía mais de tamanho. Noé
lhe disse que ele teria que comer menos, pois não havia tanta comida assim. Og
estava triste em pensar que ele ficaria do tamanho dos mortais em algum tempo.
Um belo dia, Noé disse a Og:
-
“Venha comigo, Og. Eu devo andar pelo mundo, plantar árvores e flores, deixar
essa terra bonita. Eu preciso da sua ajuda.“
-
“Ufa, até que enfim vou ver lugares diferentes. Não aguento mais ficar apenas
nessa aldeia.”
Ambos seguiram caminho, visitando
os mais diferentes lugares. Og tinha o dever de levar todos os pesados sacos de
sementes. A última planta que Noé plantou foi a videira.
-
“O que é isso?” – perguntou Og. “Esses frutos servem pra comer ou para beber?”
-
“Servem pras duas coisas, Og. As pessoas podem comer as uvas ou beber o vinho
que é preparado de seu suco”.
Noé então fez uma benção para
aquela planta:
-
“Que você seja uma planta de frutos belos aos olhos. Que seus frutos alimentem
os famintos e que você produza uma bebida para o deleite da alma de cansados e
doentes.”
Og também quis fazer uma benção
pra nova planta. Ele pediu autorização a Noé e ele lhe autorizou. Og disse
então:
-
“Se um homem beber apenas algumas gotas de vinho, ele ficará manso como um
cordeiro. Se beber um pouco mais, se sentirá forte como um leão. Se ele beber
ainda mais, ficará como uma besta semelhante ao porco. Se insistir ainda mais,
ficará estúpido como um macaco.”
E é por isso que até hoje se um
homem bebe muito vinho que ele fica tolo. Og mesmo bebeu quantidades absurdas
de vinho. Muitos anos depois, ele se tornou servo do Patriarca Abraão. Conta-se
que um dia, Og ficou com tanto medo de Abraão que caiu um dente de sua boca!
Abraão pegou esse dente e fez pra si uma bela cadeira! Tempos depois, Og se
tornou o rei de Bashan. Ele se esqueceu do trato que fizera com Noé tempos
antes. Ele passou a não cuidar mais da vida humana. Inclusive, ele se recusou a
ajudar os israelitas a entrar na Terra Prometida.
-
“Se eu quiser, eu posso matar todo esse povo de uma vez só!” – bradava o
gigante.
Og ergueu uma montanha acima de
sua cabeça e pretendia joga-la em cima do acampamento israelita, matando a
todos de uma só vez. O que ele não imaginava era que as formigas, gafanhotos e
minhocas que ali viviam tinham cavado vários túneis na montanha. Quando ele a
ergueu, ela se desmanchou acima dele. Ele caiu ao chão, preso àquela massa
enorme de terra, e não conseguia se soltar. Moisés aproveitou a situação e
correu até lá com uma espada. Corajosamente, Moisés fincou mortalmente a espada
no calcanhar de Og. Por ele estar se agitando muito para escapar da montanha
que estava em cima de sua cabeça, Og começou a perder muito, mas muito sangue e
acabou morrendo. Essa foi a punição que ele recebeu por ter quebrado a promessa
que ele havia feito a Noé.